domingo, 18 de dezembro de 2016

Palavras alfacinhas de 2016.

O final do ano é a época tradicional das listas. Listas de prendas, listas de convidados para jantares de Natal, listas de promessas que não se vão cumprir no ano seguinte. Inventários que resultam do somatório do que vivemos no ano anterior e da esperança que depositamos no ano novo.
Olhamos também para o ano a terminar e fazemos catálogos dos melhores, dos piores ou dos mais memoráveis casos. Os Top 10 de cada um traduzem-se em livros, álbuns, acontecimentos, personalidades e outras infinitas possibilidades de listas.
Lisboa também tem apetecíveis hipóteses de cardápios e é custoso escolher um ponto de partida. Como na lista das minhas coisas favoritas estão as palavras, escolhi apresentar aqui aquelas que, para mim, foram as mais faladas em 2016 na capital.

Turistas
Palavra incontornável. Ou por que se adoram. Ou porque se odeiam. Não há como se lhes escapar. Os monumentos da cidade passaram a ser aquelas imagens de postal que vislumbramos por trás de grupos de pessoas de línguas diversas, sapatos confortáveis, máquinas fotográficas ou mapas em punho. Por causa deles alguns bairros da cidade renasceram dos escombros. Por causa deles sentimos que estamos em casa sempre a receber visitas. Dizem que são demais, que a cidade se transforma num parque de diversões, mas que Lisboa está mais confiante, está.

Obras
Não há lisboeta que não esteja a ficar doidinho com as obras. Passeios mais largos, ciclovias, árvores nas avenidas são miragens com que nos acenam para irmos aguentando sem fazermos uma birra colectiva com todos os pés alfacinhas a baterem no chão no tom de quem não aguenta mais. Todos queremos ver a cidade a brilhar de modernidade e as obras com os seus desvios, buracos, andaimes, barulhos, filas, atrasos e taipais, são parte do processo. Mas tinham que ser todas ao mesmo tempo?

Verão
Foi ou não foi o mais espectacular de sempre? Chegámos a acreditar que o Inverno tinha sido abolido perpetuamente e que nunca mais os lençóis de flanela sairiam das gavetas. Andámos de manga curta até Novembro e ainda ostentamos as marcas dos fatos-de-banho no corpo. As temperaturas altas bateram recordes e acumulámos vitamina D suficiente para várias vidas.

Golo

No dia 10 de Julho aos 109 minutos da final do Campeonato Europeu de Futebol todas as gargantas alfacinhas disseram a mesma palavra em uníssono: Golo. Ou mais ou menos em uníssono, porque o sinal de televisão chega a ter um minuto de desfasamento de um lado da rua para o outro. Mas a verdade é que, se tivessem ensaiado não saía tão bem. Depois da palavra Golo associaram-se as palavras Portugal e Campeões por vários dias e à volta do mundo. Mas o que me causa arrepios é pensar no país todo a cantar o Golo a uma só voz.


E depois há aquelas palavras que são de todos os anos como

Feliz Natal.


PS- Que as vossas listas de promessas e desejos se tornem realidades em 2017.

domingo, 11 de dezembro de 2016

Poderosa oração matinal para enfrentar o trânsito de Lisboa.


São Cristovão,
Padroeiro dos motoristas e viajantes,
Santa Engrácia,
Decana das obras da cidade,
Rogai por mim.
Peço-vos a vossa abençoada protecção para o caminho que em breve farei até ao trabalho.

Rogo-vos para que me dêem presença de espírito para só pecar por pensamentos na senda que vou trilhar.
Que eu não tropece em nenhuma canalização a céu aberto ou caia em algum novo buraco não sinalizado.
Que abençoeis o meu carro para que o encontre sem grades móveis ou pinos de trânsito à sua volta como aconteceu ontem e antontem. E na semana passada.
Que o camião betoneira que bloqueia a rua demore menos de dez minutos a desviar-se para eu passar. Se não for pedir muito, que ele vá betonar para outra rua mais larga.
Que liberteis o percurso de barreiras, de pinos e de novos desvios. Que a seguir a um semáforo verde não esteja um polícia a mandar parar para as máquinas fazerem manobras ou uma grua ser instalada.
Que não fique parada na subida da Calçada do Moinho de Vento por causa de uma camioneta a descarregar andaimes. Evitando assim que o meu arranque espalhe um suave perfume a embraiagem na manhã nevoenta da cidade.
Rogo-vos para que me deis a clarividência de evitar a Frente Ribeirinha, o Largo do Conde-Barão, o Largo da Graça, a Avenida da República e que não seja apanhada desprevenida por um novo estaleiro.
Suplico aqui de joelhos para que o lugar onde estaciono perto do trabalho, não me reserve a surpresa de estar ocupado por um contentor das obras ou ter sido transformado em passeio de ontem para hoje.
Imploro para que logo ao final do dia, quando sair cansada do trabalho, me concedam a graça de demorar menos de uma hora e meia a ir da Penha de França às Amoreiras alcançando assim a glória de chegar a horas às últimas aulas do ginásio.

E depois de tudo isto, quando regressar a casa ansiando por um prato de comida quente e pelo aconchego do sofá, que não fique sem gasolina quando andar às voltas durante uma hora à procura de um lugar para estacionar por entre as barreiras, os montes de terra e o camião betoneira que no dia seguinte me dará os bons dias lentamente.


Ámen.

domingo, 20 de novembro de 2016

Rua do Monte Olivete.

A rua de que hoje escrevo não tem grandiosos monumentos nem movimento notável. Não sei dela histórias de tragédias, nem de amores ou de algum rei que ali tenha sido deposto. É só uma artéria que sai do meu coração e oxigena o meu amor por esta cidade. Sempre que passo, enche-se-me a alma de poemas que não se transformam em palavras. Sempre que passo, atraso o passo para afinar o ritmo da cidade à minha pulsação. Chama-se Rua do Monte Olivete e fica ali perto da Praça do Príncipe Real.

Ao cimo a Rua da Escola Politécnica, membro da mais alta realeza dos arruamentos lisboetas, exibe-se em lojas hipster e gente bem trajada. Ao fundo o Largo Agostinho da Silva, silencioso e com os bancos de jardim sempre vazios.

Vindo do lado da Praça das Flores, a Rua Monte Olivete é uma subida íngreme e quase ingrata, não fora o fôlego constante que cada passo em esforço nos traz ao olhar. Passeios estreitos onde não cabem namorados de mãos dadas e onde os saltos das senhoras não se equilibram bem, sobem ao lado de fileiras de prédios construídos depois do terramoto. Cada edifício um tom alfacinha. Do verde desbotado pela meteorologia ao azul vivo dos azulejos, do rosa apagado ao amarelo Carris, a paleta cromática da cidade está espelhada nas fachadas.

As casas com as portas de madeira e a numeração suspensa nas ombreiras de pedra recolhem o sol matutino com ansiedade. A luz boa só bate ali algumas horas. Da Escola Politécnica chegam os ruídos dos automóveis que passam incessantes. Mas ali os sons são baixos, como se passássemos numa aldeia à hora da sesta. Ouve-se cada passo nos passeios de calçada branca ou no empedrado negro da estrada.

Não fosse eu ter lá morado e talvez nunca tivesse reparado nela. O quanto eu gostei de ali viver não se explica lá muito bem. De me instalar na janela das traseiras e ficar a ver anoitecer nos pátios que se escondem por trás de cada casa. De ouvir os cânticos da antiga Sinagoga de Lisboa ali ao lado. Da velhinha que morava ao cimo da rua e me dava fatias de bolo porque sabia que eu sou do Benfica. De comprar maçãs na mercearia da esquina e de tentar sacar uma palavra simpática ao vendedor que nunca sorria.

Na rua que é um poema moraram poetas. Gosto de acreditar que o Alexandre O’Neill escreveu Um Adeus Português quando ali morou, mesmo que a cronologia não o confirme. Invento-o a olhar pela vidraça num dia cinzento meditando no “modo funcionário de viver”. Consigo ver o António Tabucchi a abrir a janela de casa e a ler um romance inteiro.

Se há rua de onde tenho saudades de viver é da Monte Olivete. Daquela formosura lisboeta em cada vista. Daquela alegria serena cravada em cada portada antiga. De imaginar que vivia dentro de um livro escrito só com palavras bonitas.


domingo, 6 de novembro de 2016

Do Outono em Lisboa.


Tenho os casacos, sobretudos, cachecóis e luvas numa fila histérica à porta do guarda-vestidos a suplicarem todas as manhãs para os levar à rua. As botas atravessam-se-me ao caminho como num filme de terror, ameaçando biqueiradas se eu não as calçar. As flores da varanda voltaram a nascer. Convencidas que mudaram para um país tropical, é vê-las a abrir as pétalas delicadas ao sol matinal.

A verdade é que o frio parece estar em greve este ano. Lisboa continua solarenga e pouco vestida. De tal maneira que o homem das castanhas do Chiado parece que chegou antes do tempo. A temporada das fotos de praia nas redes sociais ainda não encerrou e no primeiro dia de Novembro, o dos santos todos, os cemitérios estavam cheios de gente de guarda-chuva aberto para não apanharem uma insolação.

Todos os anos, quando o Outono entra oficialmente nas nossas vidas, ficamos espantados por estar ainda tanto sol e calor. Esquecidos do ano anterior em que fomos à praia no 5 de Outubro, criticamos o aquecimento global sentados na esplanada à beira do Tejo a beber uma imperial fresquinha que está uma canícula que não é nada normal para esta altura. Porém este ano há uma legítima razão para alvoroço sobre a meteorologia. Se até aqui as conversas sobre o tempo serviam para preencher espaços de encontros pouco íntimos, agora são motivos de telefonemas para as nossas mães.

E é tão bom andar pelas ruas de Lisboa sem agasalhos. Sair de manhã e ter a coragem de não levar um casaco dependurado no braço. Ver o sol a afagar os prédios pombalinos e deixá-lo animar os nossos termostatos emocionais que já estavam preparadinhos para a época melancólica do cair da folha. Perguntar aos estrangeiros quantos graus estão na terra deles e fazer um sorriso condescendente. Por este andar no Verão de São Martinho a Protecção Civil vai decretar alerta vermelho por ondas de calor na capital.

Por estes motivos, declaro o Outono de 2016, o melhor Outono de sempre. O ano em que as galochas vão deixar de estar na moda, as sarjetas não vão entupir, a água não vai inundar a Baixa e chegaremos ao Natal bronzeados. Ou talvez esteja a exagerar.

Por outro lado declaro o Outono de 2016 o pior Outono de sempre. Onde andarão a tombar as folhas ocres? Quando poderei começar a deixar entrar a saudade do Verão dentro da minha corrente sanguínea? Preciso de molhar os sapatos numa poça de água, de usar a manta do sofá, de aquecer as mãos com um cartucho de castanhas e que o vento me torça as varetas do guarda-chuva.


Por muito que me agrade o clima ameno, se for para continuar, em breve sofrerei de nostalgias de céus cinzentos sobre o Arco da Rua Augusta, de chuvas miudinhas no Tejo e de vento fresco na cara. Que a Lisboa do Outono também é bonita. Ganha a inquietação da tristeza com que se escrevem poemas. O que me dá a convicção de que foi nesta altura do ano que inventaram a palavra saudade.

domingo, 23 de outubro de 2016

Martim Moniz


Corria o ano de 1137, ainda Portugal não era Portugal, quando D. Afonso Henriques veio do Porto para conquistar al-Ushbuna, mais conhecida nos tempos que correm por Lisboa, aos sarracenos e espalhar a cristandade. O intento ficou-se por umas cócegas nas muralhas do castelo, tendo que voltar para trás com as suas tropas.
Em 1140, aproveitando a boleia de Cruzados que passavam pelo Condado Portucalense, volta a descer com as lanças levantadas sobre a cidade. Novo fiasco o faz voltar para Norte de cabeça baixa.
Porém, D. Afonso Henriques, que nem com a mãe se deitava a perder, não descansou enquanto não voltou. Em Junho de 1147, já soberano de Portugal, cercou a cidade. Com a ajuda de Cruzados a quem o Papa dissera que conquistar a Ibéria era uma causa tão devota como conquistar a Terra Santa, assentou acampamento à volta do castelo que ainda não era de São Jorge. E por ali ficaram durante alguns meses fazendo investidas sobre a fortaleza. Ora escavavam tuneis, ora projectavam pedras durante horas a fio e até construíram uma torre móvel para encostarem à muralha. Porém os mouros resistiam e o castelo continuava com as portas bem fechadas a cristãos.

Entre os homens de D. Afonso Henriques, havia um tal de Martim Moniz de bravo e valente afamado que era casado, diziam as más-línguas, com uma filha ilegítima do rei. Diziam também que nada temia e que a sua espada cortara já muitas cabeças mouras. No dia 21 de Outubro, cumprindo a rotina, avançaram sobre a fortificação. Martim Moniz e os companheiros investiam contra uma das portas. E naquele dia de prodígio a porta cedeu e abriu o suficiente para um ombro a penetrar. Era pois o ombro de Martim Moniz que afoito avançava e forçava a porta a franquear. Tarefa de força feroz, mas à qual o guerreiro deu o corpo. E atravessando-se sem pestanejar no vão, não permitiu que a porta se voltasse a fechar. Puderam os seus companheiros entrar no castelo e reconquistar Lisboa para graça divina.

E o pobre do Martim Moniz cedeu o corpo e a alma ao manifesto e morreu entalado na porta do castelo. Ganha a cidade, logo D. Afonso Henriques mandou colocar uma cabeça em mármore, réplica perfeita do herói, sobre a porta que foi sua carrasca e chamá-la de Porta do Moniz.

Deram-lhe nomes de ruas e de praça. A Praça do Martim Moniz está na zona de Lisboa onde hoje as várias religiões dos alfacinhas mais se cruzam e misturam em paz. Muitos historiadores afirmam ser só uma lenda. Em cartas escritas por cruzados que ajudaram na conquista da cidade, não há referência à entaladela extraordinária.


Todavia eu acredito. Vislumbro nesta história um momento decisivo para a definição da identidade nacional. O que se augura para um país onde um dos heróis subiu ao pedestal por ficar entalado? Martim Moniz iniciou uma ampla tradição de entaladelas. Em nome de fés, descobertas, territórios, mercados e outras mui nobres causas o português lá vai ficando espremido.  E isto só prova que somos um povo de valentes e que dentro de cada um de nós reverbera o espírito do Martim Moniz que nos faz continuar e acreditar que um dia chegará em que todas as portas se vão escancarar.

domingo, 16 de outubro de 2016

O Camões.


Os pontos de encontro são sempre pontos de partida. O sítio onde coincidimos com alguém num tempo certo para depois seguirmos juntos, ou separados, um destino porventura definido. Todas as cidades têm um ponto de encontro. Todas as cidades têm um ponto de partida que começa num ponto de encontro. Lisboa não escapa à regra.

O Camões é o ponto dos encontros de Lisboa. Ali, onde o Bairro Alto arranca para subir a colina, onde o Chiado começa a sua descida até à Baixa, onde a Rua do Loreto avança sobre o Combro e a Rua do Alecrim flutua até ao rio, cruzam-se os destinos que dali continuam para novas aventuras. O Camões é o ponto de partida de Lisboa. Quem nunca marcou encontro ali para depois ir jantar ao Bairro, desfilar na Rua Garrett ou ir beber um copo à Bica que atire a primeira pedra.

O Camões é o único nome da toponímia lisboeta a que, sendo uma praça, todos chamam largo. Quase ninguém vai à Praça de Luiz Vaz de Camões. Agora, o Largo do Camões já todos atravessam. Ou por lá se encontram. É que assentar praça é diferente de passar ao largo. E ir chatear o Camões todos vamos de vez em quando, mas não por muito tempo. Que por norma no Camões não se está. Espera-se. Espera-se pelo amigo, pelo 28, pela sineta do pastel de nata da Manteigaria. Fazem-se horas para estar noutro sítio ali por perto, sentados na esplanada do Quiosque do Refresco com uma amêndoa amarga pingada de limão.

Boas esperas que alcançam o ritmo da cidade. O eléctrico 28 a circundar a linda plataforma de calçada portuguesa. A estátua de Luiz de Camões com pombas a revezarem poleiro na sua cabeça para espreitarem quem vem do Chiado. Os alunos de Erasmus a conviverem à volta do pedestal. A passadeira mais insubordinada de Lisboa em que os carros e os peões têm um acordo secreto para ignorar o semáforo. A conduta de ar que faz os vestidos das meninas esvoaçarem e os cabelos perderem a compostura. Os prédios com as fachadas limpinhas e gente lá dentro. Os encontros e as partidas. Cada metro quadrado, um postal. Cada transeunte, um poema.

A Praça de Luiz Vaz de Camões foi inaugurada como tal em 9 de Outubro de 1867. A estátua e o pedestal do poeta têm 7 metros e meio, são da autoria de Victor Bastos e foram custeadas por subscrição pública. Nesse dia, toda a Lisboa foi ali dar. Até os trabalhadores das fábricas da capital tiveram folga para ir ver El-Rei D. Luís descerrar o pano que cobria a grande figura de bronze.


Desde então o poeta da nação tem visto lá de cima a cidade a mudar. Mudam as modas e os costumes. Mudam os transportes, os sons, o comércio e os cheiros. Chegam os turistas e partem os habitantes. Mas Lisboa, que da lei da morte já se libertou há muito tempo, continua circulando num vai e vem de gente que, mais tarde ou mais cedo, há-de ir ter à hora marcada ao Camões.

domingo, 9 de outubro de 2016

Maternidade.

Nos tempos do Bilhete de Identidade, mais de meio milhão de portugueses tinham anotado, no campo correspondente à naturalidade, Lisboa, São Sebastião da Pedreira. Os tempos são outros e o Cartão de Cidadão não é dado a romantismo. Até a freguesia já mudou de nome em 2013. Agora tem o nome fino de Avenidas Novas. Os anos passam e mudam os decretos que ajustam as coisas, mas a Maternidade Alfredo da Costa, segue sendo o berço da naturalidade alfacinha.

Inaugurada em 31 de Maio de 1932, abriu ao público no dia 5 de Dezembro do mesmo ano. Três dias depois nasceu o primeiro bebé. Era uma obra moderna com lotação de 300 camas. Logo se tornou no modelo de cuidados obstetrícios e neonatais em Portugal. Mas, acima de tudo, permitiu que mulheres de todos os contextos económicos tivessem finalmente acesso a partos em boas condições médicas e com higiene e conforto dignas. Até então, as parturientes pobres de Lisboa estavam confinadas a uma ala escura e bafienta com equipamentos velhos e danificados, no Hospital Real de São José.

Esta obra foi desejada e reivindicada por um médico que morreu 22 anos antes da sua abertura. Manuel Vicente Alfredo da Costa, nascido em Goa no ano de 1859, veio cedo para a metrópole para estudar Medicina. Aluno extraordinário, médico notável, foi sempre muito interventivo na sociedade científica da sua época. Estudos como “A protecção às mulheres grávidas pobres” ou “Maternidade ou a antecâmara de um inferno feminino?” são a evidência da sua inquietação com a maternidade no séc. XIX e da sua demanda para edificar um espaço que lhe fosse exclusivamente dedicado. Alfredo da Costa morreu aos 51 anos. Uns meses depois, a monarquia seguia o mesmo destino.

Quis a sorte e a fé da Marquesa de Carnide que esta doasse no fim do séc. XIX um terreno ali para as bandas de São Sebastião da Pedreira para que fosse erigida uma igreja em homenagem à Nossa Senhora da Conceição. Logo após a revolução republicana, os terrenos foram confiscados pelo Estado e em 1914, foi ali iniciada a construção da maternidade. Com algumas dificuldades orçamentais, resolvidas por uma doação de 1500 contos cuja origem nunca foi conhecida, a maternidade foi construída. O nome não poderia homenagear outro que não fosse Alfredo da Costa.

A Maternidade Alfredo da Costa, instituição sagrada da capital, teve ordem de encerramento pelo governo anterior. Mas o lisboeta, que não leva a bem leis desalmadas e desprovidas de razão, saiu à rua e apelou à providência, cautelar neste caso, para que tal desaire não ocorresse. E conseguiu. Em Janeiro deste ano, sem oposição do governo actual, foi decidida a sua manutenção. Estão até previstas obras de melhoramento.


Eu, que não sou de cá, também devo favores à Alfredo da Costa. É que nasceram ali alguns dos alfacinhas da minha vida. E que piada que eu lhes acho quando dizem com vaidade onde nasceram. Como se pertencessem a uma casta especial. Essa casta que não veio de Paris no bico de uma cegonha, mas ali da horta mais famosa de Lisboa.

domingo, 2 de outubro de 2016

Aldina


Ao balcão de um café ali na Lapa pouso o livro da Noemi Jaffe e peço uma bica. Tenho pressa.
Entras. Ficas ao meu lado. A menos de um passo de distância. Pedes qualquer coisa que eu não entendo.
Talvez não sejas tu. Assim de lado não consigo ver muito bem. Quase arranjo um problema de vista assim a esforçar os olhos para o lado esquerdo da forma mais disfarçada que a anatomia me permite. Pareces mesmo tu.
A empregada do balcão lá da ponta diz em voz que se ouve bem: “Bom dia Dona Aldina.”
És tu.
Digo ou não digo?
De tanto olhar de lado já estás a olhar para mim também. Já deves estar habituada. As pessoas devem olhar constantemente. Como eu agora, a tentar ser discreta mas sem conseguir. Estás mesmo fixa em mim e devo já estar a incomodar-te. Agora tenho mesmo que dizer qualquer coisa. Tenho pressa. É agora ou vou-me embora.
Digo.
Eu, “Desculpe, estava a olhar para si. Estava a pensar se lhe diria ou não que é a minha fadista favorita.”
Ela, “Não. Eu é que estava a olhar para si. É que gosto tanto desse livro que aí tem. Até devia estar a incomodá-la.”

Tu a incomodar-me. Tu. Aldina Duarte, fado para os meus ouvidos.


Tu és a princesa do fado. Só porque a Amália é a rainha e esse posto está tomado até não restarem colinas em Lisboa. E que me perdoe a Hermínia, que tem a minha devoção, mas quem me dá de beber à dor és tu.


Tu és a fadista soberana. A tua voz tem textura de xailes negros e pronuncias as sílabas como se soubesses o capítulo de fonética e fonologia da gramática do Celso Cunha e do Lindley Cintra de memória. E cantas com a intenção do texto, como se te saísse por inspiração naquele momento e não fosse uma letra que conheces de cor. Mostras a alma sem cortinas e desconcertas-nos por parecer tão fácil. Genuína e crua, tens na voz os fadistas do passado, sem seres réplica de nenhum.

Tu és guardiã do fado. Preserva-lo, como valioso que é, sem precisares de roupagens inovadoras ou toques de modernidade. Escreves fados tão bonitos para ti e para outros e escolhes os que cantas com critérios de aço e poesia. O teu sorriso é tão aberto que te vemos o coração. E é certamente por isso que quando cantas “até o mal se enternece”.



Como é usual fazermos quando encontramos uma divindade na rua, não nos sai muito mais do que um És a minha favorita. A verdade é que gostava de te ter dito tudo isto. E de te fazer um aceno e no derradeiro momento levantar a voz e rematar com um Ah Fadista.

domingo, 10 de abril de 2016

O barco.


De todos os barcos que circulam no Tejo, o Cacilheiro é o que melhor lhe assenta.

O Tejo poderia ser outro rio qualquer não fossem as embarcações laranja e brancas com as bóias penduradas nos lados na sua incansável demanda de unirem as duas margens. Que os Cacilheiros já por lá andavam antes da Ponte 25 de Abril aparecer a dominar o horizonte.  Desde os primeiros anos do Século XX que são assíduos e quase sempre pontuais a cumprir a sua rota de um lado ao outro do Tejo.

O Cacilheiro, apesar de velhinho, não dá sinais de fadiga nem vacila a executar o seu ofício. Transporta diariamente milhares de pessoas. Venham ventos, tempestades e marés. Venham as ondas altas abaná-lo. Venham as Tágides embalá-lo com as suas cantigas. Venha a escuridão da noite, que o Cacilheiro há-de chegar ao Cais do Ginjal com todos os passageiros a salvo e regressar a Lisboa ao Cais das Colunas ou ao Cais do Sodré. É que não há mais marés que Cacilheiros.

E que bom que é, em dias de sol, ir ali ao cais apanhar o Cacilheiro só porque sim. Dar um pulinho à outra banda e ver Lisboa a crescer ainda mais grandiosa. Deitar os olhos à água e ela brilhar tanto que custa olhar. O rio passa a ser de prata quando a luz lhe toca. Ver o postal completo. O Terreiro do Paço, o Panteão e o Castelo. A Sé e a Igreja da Graça. A Ponte e Belém. Cabem todos numa só vista. O Cacilheiro é um miradouro.

Nas tardes preguiçosas e solarengas dos fins-de-semana, um passeio sobre o Tejo é um deslumbre para o olhar. Mas não para todos. Dentro do Cacilheiro o passageiro habitual mete a cabeça dentro do jornal, aproveita para ler o livro ou agarra-se ao telemóvel. A contrastar com o turista. Ai o turista. O turista vai de boca aberta e máquina fotográfica em punho. Ofuscados pela luz da cidade linda que se abre perante eles, soltam interjeições que soam bonito sobre o barulho de fundo do motor do barco. O turista vai em sentido perante a majestade da cidade debruçada sobre o rio.

No regresso, hão-de olhar para Lisboa outra vez. Mas se olharem para trás, verão que o outro lado também é fotogénico. O Cais do Ginjal degradado mas encantador e o Cristo-Rei a esbracejar no azul do céu. E até a grua da Lisnave fica ali tão bem a emoldurar Almada.


O Cacilheiro é um barco de luxo que Lisboa tem. De ar tosco e desajeitado, revela tesouros no seu percurso. Sobre ele se cantam fados e se escrevem poemas. Sobre ele se descobrem as feições da Lisboa iluminada pelo sol ou pela electricidade. E Lisboa agradece dando ordens ao Tejo para deixar o barquinho passar. E sempre que ele parte, pequeno mas valente sobre o rio grande, Lisboa fala baixinho da palavra saudade.

domingo, 13 de março de 2016

Escadas.

O morador de um prédio pombalino é um alfacinha esforçado. Todos os dias sobe e desce escadas para chegar ao seu lar. Quando o Marquês de Pombal mandou construir os edifícios que lhe imortalizam o nome, pensou no lisboeta como um valente alpinista. Os elevadores não estavam na moda na altura. Ora em madeira, ora em lioz, mais largas ou mais estreitas, as escadas são o lugar comum dos moradores. O espaço público dentro de casa.

De patamar em patamar revelam-se pequenos segredos das vidas quase privadas de quem os habita. Pela escadaria acima, escapam inconfidências. A vizinha do 1.º dto está sempre a ouvir a mesma música. Uma música triste. Deve andar deprimida. A do 2º esq.º já está a fazer o jantar. E como eu gosto de passar à porta dela a esta hora. A comida dela tem um cheiro quase igual ao da comida da minha avó. Se eu fechar os olhos volto atrás para um tempo em que os jantares de domingo eram à volta de uma mesa cheia de delícias dentro de uma casa onde agora não mora ninguém. No 3.º direito mora-se quase no silêncio. Quebrado às quartas-feiras pelo som do aspirador que a porta não veda. Já no 3º esquerdo, a televisão está sempre ligada a espalhar noticias e pela frincha da porta passa o cheiro dos cigarros que quem lá vive fuma ininterruptos.

Pelas escadas dos prédios ouvem-se pedidos de ajuda. Do gato que faz chantagem emocional do lado de dentro da porta porque não gosta de passar o dia sozinho. Do louco que passa o dia a dizer que o matam. Do casal que está na mesma discussão há trinta anos e não se lembra porque é que aquilo começou mas já não sabe viver de outra maneira.

Pelas escadas dos prédios cumprem-se rotinas. Do rapaz que desce apressado todas as manhãs e que sobe lentamente lá mais para o fim do dia. Da senhora dos perfumes adocicados e saltos agulha que passa devagarinho por cada degrau por volta da hora de almoço. Da Maria, com três anos, que vem todas as manhãs pela mão do pai para casa da avó que mora lá para o 4.º andar. Conta os degraus na subida. Ao fim do dia desce a cantar. Daquela visita tardia que vem todas as quintas-feiras ao 2º direito. Da louca que circula para cima e para baixo todas as noites.

Pelas escadas dos prédios fantasiam-se as vidas do lado de dentro das portas. Recolhem-se indícios pelos sons e pelos cheiros. Supõem-se humores pelos desenhos dos tapetes de entrada. Julgam-se desleixos pelo guarda-chuva esquecido no patamar há mais de um mês. Pequenos pedaços da vida dos vizinhos que, por muito que se cosam, deixam sempre buracos por preencher.



domingo, 28 de fevereiro de 2016

Indo eu. Vindo eu.


Desde o primeiro dia que pus o pé nesta cidade que sonho ir-me embora depressa. Não me interpretem mal. Adoro Lisboa como um fadista adora a saudade. Quero permanecer por cá muito tempo. Porém, como não sou de cá e tenho uma terra lá longe, quando toca a ir a casa, a distância física e temporal da viagem abate-se sobre mim e tira-me a vontade de arrancar.

Nos primeiros anos ia e vinha de autocarro. Na Carrís até ao Saldanha. Descia a Casal Ribeiro com uma mala, ainda anterior a período das rodinhas, e mergulhava no reservatório de Monóxido de Carbono que era a garagem da Rodoviária. Depois, se a saída de Lisboa fosse fluída e a A1 permitisse, em três horas e meia estava a entrar na Central de Camionagem de Viseu onde o meu pai me esperava com paciência e um sorriso.

A dada altura tomei a decisão de ir de comboio. Uma viagem de três horas sem filas de trânsito, com casa de banho e um bar que dá aquele toque de solidão romanceada ao viajante. Na estação de Santa Comba Dão lá esperava, como sempre, o meu pai. E eram só mais 30 Kms até casa.

Quando comprei o meu carro, comecei a fazer-me à A1 apetrechada de músicas para ouvir e cantarolar todo o caminho, no volume que me apetecesse. Uma cumplicidade entre mim, o rádio e a estrada. Uma cantoria de três horas.

Mas a verdade é que é sempre tempo demais. Ter a família a três horas é uma distância demasiado grande. Por isso, sempre sonhei que um dia iria de avião. Entraria num avião e, num saltinho literal, estaria lá na Beira. Um sonho com 22 anos que se tornou real na semana passada. E só quem está longe de casa pode medir o longo comprimento da minha felicidade. É que, finalmente, uns senhores de uma companhia aérea resolveram fazer aquele lugar-comum do encurtar as distâncias ter espaço para mim. A linha aérea Portimão-Bragança está a funcionar desde o princípio do ano e tem escala em Tires e em Viseu.

E que maravilhoso é o progresso quando nos leva em 45 minutos para o aconchego da casa dos pais. E como é engraçado ver que já não se justificam dois livros, uma garrafa de água, um chocolate e o Ipod para a viagem. Bastamos nós com um sorriso pateta nos lábios a olhar lá para baixo tentando identificar cidades, montanhas ou barragens. Quando aquele pequeno avião, com lotação para 15 pessoas, aterra no aeródromo de Viseu, parece que ultrapassámos a velocidade da luz. O tal saltinho.


Ir embora de Lisboa a correr foi o que sempre quis. Ir a voar, é perfeito. Mas com a rapidez que vou, também volto. E assim, para esta constante inquietude de querer estar onde não estou, há agora um novo ansiolítico no mercado. Uma cápsula veloz que actua em 45 minutos. 

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Receita de bacalhau.


Era uma vez um taberneiro que morava no Bairro Alto e por ali tinha a sua tasca. A tasca era afamada por servir verdadeiros pitéus. Por ali passavam os lisboetas famintos e até altas horas saciavam a sua gula.

Uma bela noite, com muita frequência de clientela, de tanto entra e sai e de tanta quantidade servir, chegou o momento em que pouca coisa restou na despensa. A saber: uma posta de bacalhau, ovos, um raminho de salsa e, como em todos os sítios de Portugal, alhos, cebolas e batatas.

Tendo chegado um novo grupo de comensais, logo ali se perguntou se ainda havia ceia. O taberneiro, que nunca dava parte de fraco, respondeu que sim. Que havia um prato extraordinário.

Foi para a cozinha, conversar com o avental. Que estavam numa enrascada de difícil solução. Olhou para os ingredientes que sobravam e sentiu a doce veia da inspiração a latejar. E se desfiasse o bacalhau? E logo se deixou guiar pela musa culinária. Bacalhau desfiado a alourar na caçarola com azeite, alho e cebola. Batatas a fritar. Juntou tudo e misturou-lhe os ovos batidos. Salsa por cima, para apaladar.

Nervoso, na expectativa de saber se gostariam ou não, lá levou a travessa para a mesa. E ali ficou à espera da primeira garfada. Das bocas deleitadas saíram os melhores elogios. Que prato magnífico era aquele, que nunca haviam comido?
O taberneiro, cujo nome de certeza adivinham, respondeu com vaidade: Bacalhau à Braz, meus senhores. Bacalhau à Braz.

Com alguma fantasia à mistura, a história é mais ou menos esta. O Bacalhau à Braz, ou à Brás, é hoje um tesouro da nacional culinária. Cozinha portuguesa de onde nunca tenha saído este prato, não é digna de se chamar cozinha. É a prova de que a alma nacional também se traduz naquilo que comemos. É que não conheço nenhum português que não goste de Bacalhau à Braz.

Dizem os puristas que se transformou em fast food. Que tem sido vilipendiado na sua essência, com o uso das batatas palha compradas no supermercado. Pelo atum, frango, alho francês e uma série de outras coisas à Braz que por aí se inventaram.
Mas nesta coisa da profanação, o Jamie Oliver, cometeu a heresia de, ao apresentar este prato do nosso panteão na televisão, ter juntado as batatas fritas depois dos ovos. Logo foi bombardeado por portugueses indignados. Já não bastava a esses ingleses terem ficado com o chá das cinco, iam agora mudar-nos o Braz.


Do Bairro Alto para o mundo, o Bacalhau à Braz confirma que a necessidade aguça o engenho. E que belo engenho este, alfacinha de nascença, mas um cidadão do mundo. E é sempre bom, mesmo quando um pouco adulterado. O meu favorito é o da minha mãe, que o faz com os preceitos do Braz. Só de pensar, cresce-me água na boca. Aliás, foi este o motivo de ter escolhido este tema para hoje. Aproveito e deixo aqui o recado: Mãe, no próximo sábado, vou aí jantar.

domingo, 17 de janeiro de 2016

As velhas nas janelas.


As velhas nas janelas de Lisboa sabem das coisas antes delas acontecerem.


Que o carteiro só vem lá para o meio-dia. Que vai chover ao fim de almoço. Que a roupa da do 3.º esquerdo se vai molhar toda. Que quando o Quim chegar a casa vai ouvir das boas. Anda numa linda vida.
Que a da casa amarela vai viajar para o estrangeiro. Até comprou uma mala muito jeitosa que eu vi-a a passar com ela no domingo. Aquilo deve ter ido à Feira do Relógio. E olha que é grande. Deve ser uma viagem demorada.

As velhas nas janelas de Lisboa passam a noite acordadas a tomar conta da vizinhança.


Quem passou mal a noite. Quem entrou tarde em casa. Quem vinha a cambalear.
Ai a discussão do dono da sapataria com a mulher. Toda a santa noite. Aquilo até ferveu. Parece que ele lhe bateu. Mas ela também não trata da casa. Nem dos miúdos. Saem de manhã para a escola com os bigodes do leite e remelas nos olhos. E ele é que mete o dinheiro todo. Ela não quer trabalhar. Lá para pintar as unhas e se embonecar está sempre pronta. Essa é que é essa.
E a Teresa, aquela que mora ali à frente, teve visita esta noite. Ele entrou tarde e saiu ainda antes do sol nascer. Mas a mim não me escapou. Que eu bem o vi. Cá para mim é homem casado. Aquilo é gente de pecado.

As velhas nas janelas de Lisboa não se metem na vida de ninguém.

Que a mim não me interessam os outros. Cada um sabe de si. Mal tenho tempo para as minhas coisinhas, quanto mais para andar a espreitar às janelas a ver o que cada um faz. Que ele há por aí gente que não faz outra coisa senão falar mal. E invejosas. Tu vê lá que no outro dia, aquela ali do 4º Frente, aquela que muda de namorado como quem muda de camisa. Sim, essa, a das cuecas estranhas no cordão. Sim, não são bem cuecas, são uns trapos indecentes. Vê lá tu que me mandou dar uma curva só porque eu lhe dei os Bons dias. É bom de ver que eram 3 da tarde. Aquilo não são horas de acordar.

As velhas nas janelas de Lisboa são património municipal.


O que seria da cidade sem elas? São as agências noticiosas dos bairros. Verdadeiras colunas sociais que inventam vidas para se entreterem. Sempre baseadas em factos reais. Sem elas as fachadas dos prédios pombalinos seriam paredes silenciosas. Com chuva ou com sol, lá estão desde que o dia nasce a enrolarem os novelos das suas vidas com fio das novelas dos outros que urdem nos seus écrans solitários.