domingo, 18 de dezembro de 2016

Palavras alfacinhas de 2016.

O final do ano é a época tradicional das listas. Listas de prendas, listas de convidados para jantares de Natal, listas de promessas que não se vão cumprir no ano seguinte. Inventários que resultam do somatório do que vivemos no ano anterior e da esperança que depositamos no ano novo.
Olhamos também para o ano a terminar e fazemos catálogos dos melhores, dos piores ou dos mais memoráveis casos. Os Top 10 de cada um traduzem-se em livros, álbuns, acontecimentos, personalidades e outras infinitas possibilidades de listas.
Lisboa também tem apetecíveis hipóteses de cardápios e é custoso escolher um ponto de partida. Como na lista das minhas coisas favoritas estão as palavras, escolhi apresentar aqui aquelas que, para mim, foram as mais faladas em 2016 na capital.

Turistas
Palavra incontornável. Ou por que se adoram. Ou porque se odeiam. Não há como se lhes escapar. Os monumentos da cidade passaram a ser aquelas imagens de postal que vislumbramos por trás de grupos de pessoas de línguas diversas, sapatos confortáveis, máquinas fotográficas ou mapas em punho. Por causa deles alguns bairros da cidade renasceram dos escombros. Por causa deles sentimos que estamos em casa sempre a receber visitas. Dizem que são demais, que a cidade se transforma num parque de diversões, mas que Lisboa está mais confiante, está.

Obras
Não há lisboeta que não esteja a ficar doidinho com as obras. Passeios mais largos, ciclovias, árvores nas avenidas são miragens com que nos acenam para irmos aguentando sem fazermos uma birra colectiva com todos os pés alfacinhas a baterem no chão no tom de quem não aguenta mais. Todos queremos ver a cidade a brilhar de modernidade e as obras com os seus desvios, buracos, andaimes, barulhos, filas, atrasos e taipais, são parte do processo. Mas tinham que ser todas ao mesmo tempo?

Verão
Foi ou não foi o mais espectacular de sempre? Chegámos a acreditar que o Inverno tinha sido abolido perpetuamente e que nunca mais os lençóis de flanela sairiam das gavetas. Andámos de manga curta até Novembro e ainda ostentamos as marcas dos fatos-de-banho no corpo. As temperaturas altas bateram recordes e acumulámos vitamina D suficiente para várias vidas.

Golo

No dia 10 de Julho aos 109 minutos da final do Campeonato Europeu de Futebol todas as gargantas alfacinhas disseram a mesma palavra em uníssono: Golo. Ou mais ou menos em uníssono, porque o sinal de televisão chega a ter um minuto de desfasamento de um lado da rua para o outro. Mas a verdade é que, se tivessem ensaiado não saía tão bem. Depois da palavra Golo associaram-se as palavras Portugal e Campeões por vários dias e à volta do mundo. Mas o que me causa arrepios é pensar no país todo a cantar o Golo a uma só voz.


E depois há aquelas palavras que são de todos os anos como

Feliz Natal.


PS- Que as vossas listas de promessas e desejos se tornem realidades em 2017.

domingo, 11 de dezembro de 2016

Poderosa oração matinal para enfrentar o trânsito de Lisboa.


São Cristovão,
Padroeiro dos motoristas e viajantes,
Santa Engrácia,
Decana das obras da cidade,
Rogai por mim.
Peço-vos a vossa abençoada protecção para o caminho que em breve farei até ao trabalho.

Rogo-vos para que me dêem presença de espírito para só pecar por pensamentos na senda que vou trilhar.
Que eu não tropece em nenhuma canalização a céu aberto ou caia em algum novo buraco não sinalizado.
Que abençoeis o meu carro para que o encontre sem grades móveis ou pinos de trânsito à sua volta como aconteceu ontem e antontem. E na semana passada.
Que o camião betoneira que bloqueia a rua demore menos de dez minutos a desviar-se para eu passar. Se não for pedir muito, que ele vá betonar para outra rua mais larga.
Que liberteis o percurso de barreiras, de pinos e de novos desvios. Que a seguir a um semáforo verde não esteja um polícia a mandar parar para as máquinas fazerem manobras ou uma grua ser instalada.
Que não fique parada na subida da Calçada do Moinho de Vento por causa de uma camioneta a descarregar andaimes. Evitando assim que o meu arranque espalhe um suave perfume a embraiagem na manhã nevoenta da cidade.
Rogo-vos para que me deis a clarividência de evitar a Frente Ribeirinha, o Largo do Conde-Barão, o Largo da Graça, a Avenida da República e que não seja apanhada desprevenida por um novo estaleiro.
Suplico aqui de joelhos para que o lugar onde estaciono perto do trabalho, não me reserve a surpresa de estar ocupado por um contentor das obras ou ter sido transformado em passeio de ontem para hoje.
Imploro para que logo ao final do dia, quando sair cansada do trabalho, me concedam a graça de demorar menos de uma hora e meia a ir da Penha de França às Amoreiras alcançando assim a glória de chegar a horas às últimas aulas do ginásio.

E depois de tudo isto, quando regressar a casa ansiando por um prato de comida quente e pelo aconchego do sofá, que não fique sem gasolina quando andar às voltas durante uma hora à procura de um lugar para estacionar por entre as barreiras, os montes de terra e o camião betoneira que no dia seguinte me dará os bons dias lentamente.


Ámen.