domingo, 2 de abril de 2017

Peixinhos da Horta.




Lisboeta que é lisboeta péla-se por um peixinho fritinho com um arrozinho malandrinho. Assim tudo em diminutivos. Quanto mais pequenininho melhor. Daqueles peixinhos que não chegam para tapar a cova de um dente. Com nomes dados por meninos que aprenderam a falar há pouco tempo. Ele é pilim, jaquinzinho, petinga, carapauzinho e no limite dos limites, quase com o diagnóstico de gigantismo, pescadinhas de rabo na boca.

Comem-se de meia dentada, com cabeça e espinha incluídas e acompanham com um arroz de tomate, de feijão ou de grelos, imperativamente a correr pelo caldo. Uma taça de vinho e está feito um dos repastos mais tradicionais da cidade.

Porém, estes lisboetas são uns criativos, e, há uns séculos, quando o peixe não era para qualquer mesa, magicaram uma alternativa mais em conta que se tornou num emblema da culinária alfacinha. Chamam-lhe peixinhos da horta. Eu, que só os provei quando cá cheguei, chamo-lhes um figo sempre que os apanho em alguma ementa.

De acordo com os Doze Meses de Cozinha, uma das bíblias culinárias que há na estante da minha mãe, os peixinhos da horta são dois feijões-verdes fritos envoltos num polme de farinha, gema de ovo, claras em castelo, sal e pimenta. Lembro-me de ser miúda e folhear aquelas páginas de papel de boa gramagem e fotografias apetitosas e pensar que um dia faria aqueles tais de peixinhos da horta. Coisa que ainda não aconteceu.

E se aquele chavão que parafraseamos do Camões dizendo que Portugal deu novos mundos ao mundo é verdadeiro, também é incontestável que levámos novos sabores aos quatro cantos do planeta. Dizem por aí as más-línguas, atestadas pela boa boca de Maria de Lourdes Modesto, que no século XVI, quando chegaram os primeiros Jesuítas portugueses ao Japão, encontraram um povo que não percebia nada de fritos. Quando chegou a Quaresma, os missionários respeitaram o período de abstinência de carne e lá fritaram uns jaquinzinhos e uns peixinhos da horta que deram a provar aos japoneses. E não é que eles gostaram?

O sucesso foi tal que dali se originou um dos pratos japoneses mais comidos no mundo. A tempura come-se hoje em todo o lado. O nome vem da expressão latina que designa a Quaresma, ad tempora quadragesimae, que os portugueses naquela época tinham simplificado para Têmporas. E se os japoneses diversificaram a utilização do polme delicioso em vários outros alimentos, a verdade é que nunca fazem tempura com carne.


Cá por Lisboa ovo e farinha só se põem à volta do peixe. Não há cá experiências com cenouras, pimentos ou com essas temíveis couves-flor. Refeição que é refeição dá aos vegetais o papel secundário e deixa brilhar o peixe. Nem que seja peixinho da horta.